Aos poucos tento retormar o trabalho da antologia de contos de jovens autores húngaros, que por vários motivos infelizmente está atrasada. Estes dias terminei a tradução da introdução escrita gentilmente pelo amigo Puskás István, tradutor e professor de italiano na Universidade de Debrecen.
Universidade de Debrecen
Quem conhece alguma coisa da história do futebol mundial deve ter reconhecido logo esse sobrenome,
Puskás, o mesmo do maior ídolo de futebol húngaro de todos os tempos e um dos grandes do mundo. Mas, famoso como é, geralmente esse sobrenome é pronunciado erroneamente. O nome deriva de
puska /púshkó/, que significa rifle, carabina, arma de fogo.
Puskás seria “carabineiro”, aquele que porta ou maneja um rifle, um arma de fogo. E a pronúncia correta é /púshkáásh/ já que o “s” em magiar é a letra que representa o som /sh/, como o ‘ch’ em chuva.
Vale lembrar que em magiar, TODAS as palavras têm sua tônica na primeira sílaba, daí eu usar o ‘ú’ com acento na pronúncia acima. O /áá/, assim duplo, por sua vez, é para indicar a vogal aberta e longa, que vale por duas curtas. A noção de vogais curtas e longas é fundamental no magiar, como era no grego e no latim antigos, aliás, o que marcava inclusive a medida dos versos nessas duas línguas.
Embora oficialmente não tenhamos essa característica marcada no português, muitas vezes usamos o alongamento de uma vogal para efeito expressivo. Pense na maneira como dizemos “Ah, deixa disso!”, ou “Ih, que coisa!” por exemplo. É muito provável que esse ‘Ah’ e esse ‘Ih’ sejam alongados por nós, mesmo sem nos darmos conta. Pois esse ‘aah’, assim longo, corresponde mais ou menos à letra á do alfabeto magiar, que se distingue claramente da letra a, curta, que parece mais com o nosso ‘ó’, e por isso assim o transcrevo. Enquanto o ‘iih’, longo, corresponde à vogal magiar í, diferente da curta i. Lembrando mais uma vez que não há acento em magiar, á, é, í, ó, ö, ő, ú e ű são letras,cada um com seu valor fonético e fonológico, diferentes de a, e, i, o, u.
Concluindo este assunto, o nome do autor da introdução à nossa antologia se pronuncia /púshkáásh íshtváán/. Embora os amigos os chamem geralmente de Pisti /pishti/, que é o apelido usual para István.
Segue abaixo um trecho do prefácio escrito por ele, que espero interesse a você, leitor.
Teatro de Ópera de Debrecen. (e a cidade só tem 120 mil habitantes!)
“A grande tragédia da literatura húngara, e ao mesmo tempo sua enorme virtude, é que a sua língua, o magiar, é quase totalmente insulada, uma língua sem parentes, enxertada como uma cunha na grande família das línguas indo-européias. É uma tragédia, porque isola seus falantes do seu meio-ambiente, e, em parte, da cultura (latina cristã) da qual somos parte orgânica há mais de mil anos. Mas é também virtude, pois exatamente devido a essa estranheza há muitas coisas que podem ser ditas e apresentadas ao mundo nesta língua, e a partir desta situação singular, que não poderiam ser ditas em outro lugar e em outra língua.
Viver no Leste europeu e falar magiar representa um status ontológico único, que, por um lado, produz vivências e conhecimentos bastante específicos a esta situação particular, e que não interessariam necessariamente aos outros. Por outro lado, gera também experiências interessantes a outras culturas e lugares, e que talvez permaneçam desconhecidas em virtude desse isolamento. Ou se tornam interessantes precisamente por despertarem no leitor distante a sensação da familiaridade, das afinidades que aproximam dele a nossa pequena nação, o mundo da nossa pequena língua.
A literatura magiar do século XX é grande devedora da história tempestuosa do século passado. É na relação do homem com a história que ela manifesta suas identidades fundamentais e oferece suas experiências mais importantes: Márai Sándor fala da tragédia do emigrante, da vida difícil do homem lançado num mundo desconhecido; Kertész Imre trata de como é possível sobreviver e, de alguma maneira, elaborar os horrores do holocausto; Eszterházy Péter e Nádas Péter (seus dois grandes mestres, Ottlik Géza e Mészöly Miklós, ainda aguardam sua descoberta no estrangeiro) investigam a ditadura e sua relação com o indivíduo, e infundem sua linguagem ora com uma ironia corrosiva, ora com a comoção do trágico.
Mas a maior virtude desta literatura é que ela não apresenta simplesmente teorizações, explorações históricas. Fundamentalmente ela sempre investiga o homem, está atenta ao homem – o indivíduo, o grupo, ou mesmo a multidão. Seus autores não são apenas dissecadores da história européia do século XX, mas também profundos conhecedores das inquietações, dos problemas, reações e estratégias de vida (e de sobrevivência) do homem moderno, e são, além disso, artífices verbais de alto valor artístico, perpetuadores de uma forte tradição literária.”
um abraço
Natal, 2010. március* 2.
* március /máártsiush/